março 07, 2009

Voltando aos experimentos humanos

É impressionante as coisas que os seres humanos são capazes de fazer se receberem uma ordem.

Há um famoso experimento psicológico que colocou pessoas comuns no dever de aplicar choques elétricos em um "aluno" caso ele errasse as respostas para determinadas perguntas. Pesquisadores de Yale chamavam um sujeito, digamos o John (aquele que não aparece aqui desde que teve que jogar um gordo nos trilhos de um trem), e diziam que ele ia ajudar em um experimento comportamental. Mas diziam ao John que a cobaia era, na verdade, o tal aluno. O objetivo era ver até onde John era capaz de ir.

Digamos que o aluno, que ficava sozinho em uma sala, respondendo às perguntas (um ator que apenas fingia levar choques) errasse uma primeira vez. John, em outra sala onde havia um botão que supostamente disparava os choques, deveria dar um choque leve, cerca de 15 volts. Se o ator errasse de novo, a descarga elétrica aumentava e assim suscessivamente até chegar aos 450 volts, um choque potencialmente mortal.

O ator fingia errar muitas perguntas para que John, que estava ao lado de um pesquisador, fosse aumentando os choques consideravelmente. Em certo momento, o ator começava a reclamar de dor. A maioria das cobaias (os Johns da vida) olhava para o pesquisador perguntando o que fazer, e este respondia que ele devia continuar. Os Johns continuavam. Quando o ator fingia estar passando mal, se debatia contra a parede e parava de reagir, todos os Johns ensaiavam uma recusa em continuar aumentando os choques, mas bastou uma resposta firme do pesquisador dizendo que eles tinham o dever de prosseguir para que 65% dos participantes fossem até o mais forte choque, mesmo sabendo que ele poderia ser fatal. Apenas 1% dos participantes parou antes dos 300 volts.

Lembrei disso quando vi O Leitor. ALERTA para quem ainda não viu: vou contar a história, então se você não gosta de spoilers, pare de ler, ainda que o filme não tenha nada de surpreendente, mas enfim.

Lembrei de O Leitor, de como Hanna diz no tribunal que manteve fechadas as portas da igreja que pegava fogo porque era o seu dever. Assim como as cobaias dos choques tinham um dever com uma pesquisa. Fiquei pensando em como é que nos deixamos cometer atos tão cruéis sem necessariamente termos a intenção da crueldade.

Os Johns ali de cima não queria fazer mal ao cara que levava choques, pelo contrário, mas ainda assim o fizeram. O que é que nos transforma em criaturas tão submissas que colocamos o respeito à autoridade acima da compaixão?

Também me surpreende como valores que são cultivados e passados adiante na sociedade podem contribuir com ações terríveis como a de Hanna Schmitz. Eu sei que é uma obra de ficção, mas a situação não é nada absurda e serve para o que quero dizer. No discurso que ela dá no tribunal é fácil ver que Hanna foi guiada por valores como respeito à autoridade, compromisso com o trabalho e determinação. Faltaram a ela outros valores mais humanitários, obviamente, ou lhe faltou priorizá-los, mas o que quero dizer é que respeito à autoridade, compromisso com o trabalho e determinação são coisas que nos ensinam como essencialmente boas desde a escola. São valores que sustentam, em grande parte, a sociedade, a família, o capitalismo, etc. Mas de alguma forma, eles são passíveis de serem distorcidos, ou exagerados, ou o quê? ao ponto de levar alguém a trancar prisioneiros em um prédio pegando fogo.

Não estou dizendo que isso seja um problema, que devemos pensar em uma solução. Só aponto algo que me surpreende. Mas se fosse para pensar em termos de problema/solução, eu chutaria que essas distorções de valores, ou esses desequilíbrios que colocam respeito à autoridade acima de respeito ao próximo, por exemplo, não se criam porque reforçamos demais os valores do primeiro tipo, mas porque damos pouca importância ao aprendizado dos valores do segundo tipo.

Me parece que temos fé demais na idéia de que coisas como empatia, compaixão e generosidade são naturalmente parte do ser humano ou, ainda, algo inerente ao caráter de cada um, ou se nasce com isso ou não e ponto final. Passamos um bom tempo ensinando às crianças que devem obedecer aos pais, aos professores, para que depois obedeçam aos chefes, às leis, mas não dedicamos muitos esforços em ensinar uma criança a ser gentil, a ver os outros com igualdade. Se colocar no lugar do outro é um exercício difícil e requer um aprendizado tão ou mais complexo que assimilar um sistema de regras.

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